Seguro fertilidade

Criopreservação mantém congelados projetos, sonhos e possibilidades


Por Filipe Andretta

Fabiana Gabriel garante que nunca sonhou em formar uma família cheia de crianças correndo pela casa: “posso ter, como posso não ter, e tudo bem”. O que lhe dá alguma tranquilidade quanto à hipótese de se tornar mãe, mesmo depois dos 40, é um conjunto de seis óvulos guardados a uma temperatura de aproximadamente 200 graus negativos.

Foi aos 35 anos que a jornalista pensou em recorrer à criopreservação – técnica de congelamento de células ou tecidos biológicos. Ela recebeu como um alerta a notícia de que amigas um pouco mais velhas já não tinham obtido sucesso no tratamento hormonal que precede a extração de óvulos.

Dois anos depois, quando entrou pela primeira vez no lugar que viria a ser sua poupança de gametas, Fabiana se incomodou com uma cegonha na recepção – um totem que exibia o número de bebês colocados no mundo pelos profissionais da clínica de reprodução humana. “A comunicação era toda voltada a mulheres que têm o sonho de ser mãe”, lembra ela. Fabiana não tinha planos de engravidar, mas queria assegurar a possibilidade para depois. Sua decisão estava mais relacionada ao término da juventude do que a um projeto de maternidade.

Arquivo pessoal de Fabiana Gabriel – Legenda: Fabiana Gabriel compara os óvulos congelados com um seguro de carro: “é bom ter, mas é melhor nunca usar”

Toda mulher já nasce com um estoque limitado de óvulos, que é produzido quando ela ainda é um feto, entre a 16ª e a 20ª semana de gestação. Aos 30 anos, cerca de 90% desses gametas já se foram, e o gráfico da fertilidade feminina fica parecido com a cotação da bitcoin. Por isso, apesar de clichê, a expressão “relógio biológico” é significativa: o corpo da mulher tem uma contagem regressiva e irreversível até a menopausa, que representa o fim da linha para uma gravidez por via natural.

Ciente disto, Fabiana investiu 20 mil reais no congelamento, que inclui a medicação para estimular o amadurecimento dos óvulos e o procedimento cirúrgico de remoção. “Estou vindo aqui fazer um seguro de carro”, brincou com o médico que a atendeu, “é bom ter, mas é melhor nunca usar”.

A jornalista se diz satisfeita com a sensação de liberdade que a criopreservação lhe proporcionou, mas acredita que vai acabar não usando os óvulos. Ela tem menos de uma década para mudar de ideia, já que a reprodução assistida no Brasil é permitida em mulheres com até 50 anos. Enquanto isso, terá que pagar 660 reais a cada semestre pela manutenção do material congelado.

 

Seguradoras vivem do dinheiro que recebem por gerenciar o risco alheio, e indenizam os clientes quando ocorre o evento indesejado e previsto em contrato. Ainda que pareça um “seguro fertilidade”, a criopreservação não garante o nascimento de um bebê, pois isso ainda depende do sucesso da técnica de fertilização adotada, da fixação do embrião no útero, além de todos os fatores inerentes a qualquer gestação.

 

Porém, os avanços na área de reprodução assistida são notáveis e animadores. Apenas quatro décadas depois do primeiro “bebê de proveta” nascido no interior da Inglaterra, o Brasil já tem 146 Bancos de Células e Tecidos Germinativos (BCTGs) espalhados em 20 estados e no Distrito Federal. Segundo o mais recente relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões, as clínicas nacionais de reprodução humana assistida apresentaram em 2017 uma média de 76% de fertilizações in vitro bem-sucedidas e um total de 78 mil embriões congelados.

 

A Androlab, em Curitiba, é uma destas clínicas. Toda a estrutura está instalada em uma casa muito branca e discreta no Juvevê, bairro que tem um dos dez maiores Índices de Desenvolvimento Humano (IDHM) da cidade. Assim como na clínica procurada pela jornalista Fabiana Gabriel, a decoração da sala de espera tem estátuas que festejam a maternidade.

 

Para chegar ao consultório da médica Viviane Niehues, é preciso percorrer um corredor labiríntico que também dá acesso a pelo menos uma dúzia de salas – em uma delas se encontram os equipamentos com nitrogênio líquido que equivalem ao cofre deste banco peculiar. No caminho, imagens de crianças preenchem um quadro de fotografias compartilhadas por clientes satisfeitos. O ambiente lembra ficções distópicas como “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, mas humanizado pelo vai-e-vem de pessoas com olhares esperançosos e compenetrados.

Decoração na sala de espera da clínica Androlab festeja a maternidade (Filipe Andretta)

 

 

 

A especialista em reprodução humana explica que a demanda por criopreservação na Androlab está relacionada principalmente à questão oncológica: pessoas diagnosticadas com câncer que procuram congelar material biológico antes de iniciar os tratamentos invasivos que podem torná-los inférteis.

Nos últimos anos, porém, tem crescido o número de mulheres que vão à clínica em busca do “congelamento social” – a maioria solteiras com mais de 35 anos. “O ideal seria que elas viessem antes, pois aumenta muito a chance de obter óvulos de qualidade”, alerta Niehues. Segundo a médica, este novo perfil de clientes é consequência da inserção da mulher no mercado de trabalho, o que leva ao adiamento planejado da maternidade – caso, por exemplo, da atriz Monique Alfradique, divulgado recentemente na revista Marie Claire.

 

De olho nas tendências, a Androlab tenta firmar parcerias com grandes corporações. A ideia é que o serviço de criopreservação seja oferecido a funcionárias da mesma forma que um plano odontológico empresarial.

 

O fisioterapeuta Murilo Quimelli havia terminado o mestrado quando se casou, em 2006, com a médica Carolina de Andrade, residente em ginecologia e obstetrícia. Aos trinta-e-poucos anos, ambos estavam focados em estabilizar a carreira e em dar conta das despesas de uma casa recém adquirida. Ter filhos era um plano certo, mas que podia esperar.

 

No ano seguinte, Murilo foi diagnosticado com leucemia mieloide aguda, um câncer que afeta o sangue e a medula óssea. O pai de Carolina, que também é médico, sugeriu que o genro congelasse sêmen antes de iniciar o tratamento. “Tive uma sensação de impotência”, lembra Murilo. “Tudo que eu tinha feito não valia nada comparado à possibilidade de não ter filhos”.

 

Para os homens, a criopreservação é mais simples e barata. Não há necessidade de tratamento hormonal prévio – menos de dois mil reais e uma ejaculação costumam ser suficientes.

 

A criopreservação foi fundamental para realizar o sonho de Carolina e Murilo (Filipe Andretta)

Em 2010, Murilo já estava curado da leucemia, mas um exame revelou que ele não produzia mais espermatozóides. Graças ao material congelado e uma fertilização in vitro, o casal foi presenteado com o nascimento do Enzo e do Felipe. A foto dos gêmeos de sunga na praia agora alegra o consultório da ginecologista em Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba.

 

A princípio, o casal não pretende aumentar a família. “Hoje em dia está caro para ter filho”, concordam. Mesmo assim, Murilo ainda guarda uma poupança de gametas congelados no Juvevê.

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