Sua casa contra o crime

O Coronel da reserva da PMPR Roberson Luiz Bondaruk estudou como o planejamento de cidades e até mesmo de casas pode prevenir a ação de criminosos


Por Vinícius Fin

Roberson Luiz Bondaruk, Coronel da reserva da PMPR, completou 37 anos de serviço em segurança pública, sendo 36 deles na função de comandante geral da corporação. Também comandou a Academia Policial Militar do Guatupê, atuando como diretor de ensino. Desenvolveu 22 publicações na área de segurança. O trabalho de maior repercussão resultou no livro “A Prevenção do Crime através do desenho Urbano”. O principal tema de estudo do Coronel foi na área de  “Arquitetura contra o crime”, que visa o desenvolvimento urbano sustentado em segurança pública. “Quando iniciei os estudos, haviam poucos escritos policiais, eram geralmente manuais militares, ou psicólogos/ sociólogos falando do trabalho da polícia”, conta o Coronel.

Como foi sua trajetória até se tornar policial?

Não tinha essa aspiração. Com 15 anos conheci um oficial, fiz amizade e ele me levou conhecer o corpo de bombeiros. Fiquei impressionado com o serviço militar. Eu queria ser bombeiro, mas entrei no colégio da polícia militar e me interessei mais pela carreira. Quando ingressei na academia do Guatupê, no início de 81, foi como cadete do curso de formação de oficiais da polícia militar.

 

O que inspirou o coronel a escrever o livro A Prevenção do Crime Através do Desenho Urbano?

Esse tema era novidade no Brasil. No primeiro mundo é desenvolvido a mais de 30 anos. Vi uma palestra com o tenente coronel Amaro, da PMRJ, e fiquei interessado em aprofundar a pesquisa. O estudo realizado para escrever este livro é o maior estudo em nível nacional até hoje no tema. Entrevistamos mais de 300 presos, para saber como eles enxergavam as ruas, como encontravam vulnerabilidades nas casas, lojas e ruas, as quais eles pudessem explorar. Isso foi muito efetivo, pudemos identificar muitas coisas que a cultura policial não tinha conhecimento, de como eles se comportavam à escolha de um local ou de uma vítima para abordar. Pesquisei também as 100 casas mais assaltadas em Curitiba, com maior número de delitos. Comprovei que as teorias desenvolvidas no exterior eram altamente aplicáveis em nível nacional. Descobrimos que os criminosos do primeiro mundo atuam como criminosos do Brasil.

 

Qual era o perfil das 100 casas mais assaltadas?

Casas com frentes totalmente fechada de muros, mal iluminadas, com pouca visibilidade para a fachada e cheias de árvores. Essas características atraem a atenção do criminoso. As pessoas acreditam que se a casa estiver mais escondida da vista de quem passa na rua, ela estará mais segura, e isso está errado. Nesse tipo de imóvel, o assaltante só tem que pular o muro, e esse ocultamento passa a ser dele. Isso volta-se contra o dono, que passa a estar preso dentro da própria casa, sem que quem passa na rua, ou vizinhos, percebam que ele está dominado por um criminoso. O efeito fortaleza, criado com cercas elétricas, muros altos, isso dá uma imagem ruim para a casa e faz o morador se sentir prisioneiro. Isso não inibe a ação do criminoso, ele apenas espera a pessoa estar entrando em casa, rende a pessoa e entra junto. Essa fortaleza se volta contra a pessoa. O tempo de permanência de um criminoso em uma casa fortaleza é maior do que o tempo numa casa de fachada aberta, pois ele sabe que pode ser visto, ele tem que agir rápido  e sair

 

Quais são os aspectos estruturais que tornam uma casa mais segura?

A psicologia do criminoso associada à questão estrutural da casa determina o desenho que a casa deve ter. Fachadas abertas, com boa visibilidade e bem iluminadas. Assim, quando o cidadão chega ou sai de casa, os vizinhos, que são forças amigas, podem ver essa movimentação. Janelas voltadas para a frente do imóvel, frente aberta, limpa, bem iluminada. Calçadas arrumadas e organizadas, para que as pessoas passem. Bloquear calçadas inibe que pessoas de bem, que inibem a ação de criminosos, passem, mas não impede um assaltante de agir. A lógica pura que as pessoas aplicam é inversa à do bandido. Nosso trabalho foi mostrar isso, a lógica do criminoso, pois é ele que vai agir na casa. É uma lógica operacional, baseada na prática do dia-a-dia, do que funciona e do que não funciona para assaltar, furtar, roubar, a pesquisa focou exatamente nisso.

 

Falando em comportamentos, quais devem ser os cuidados que o cidadão deve tomar para evitar assaltos?

Atenção na hora de entrar e sair de casa. Na maioria dos casos, o assaltante está apenas esperando a pessoa chegar em casa para entrar junto. Parar para conversar com vizinhos, deixar carro ligado e sair correndo buscar algo, não trancar portão, são alguns exemplos de situação que facilitam a abordagem do criminoso.

 

Qual é a importância de uma boa relação com a vizinhança para a segurança de uma casa?

Formar uma comunidade é fundamental, seja apenas com um bom relacionamento de vizinhança ou,melhor ainda, com a questão dos conselhos de segurança comunitários, usando ferramentas, como simples grupos de WhatsApp, que ajudam a proteger o grupo. Quando vizinhos não se conectam, passam a ser indivíduos morando juntos. Precisamos de comunidades. Eu conheço meu vizinho, meu vizinho me conhece, ele sabe a hora que eu saio, como sou eu, como é a minha família, a cor do meu carro. Ele ficará atento a qualquer pessoa diferente.

 

O que o estudo revelou com relação a arquitetura de segurança do comércio?

No comércio se aplicam os mesmos princípios da vigilância natural, o controle de acesso e a territorialidade. A vigilância natural é ver e ser visto. Tanto a casa quanto a loja devem permitir visibilidade plena. Se a loja tem frente aberta, fachada de vidro, mais difícil será para o delinquente agir. Veja os bancos, os lugares que mais concentram dinheiro, todos tem fachada totalmente aberta. Repito, vigilância natural. Empilhar mercadorias, usar prateleiras altas, com mais de um metro e meio de altura, corredores escondidos, todas isso configura um ambiente em que o assaltante não é visto na sua ação. O uso de espelhos, câmeras, prateleiras baixas de até um metro e meio impede furtos e assaltos.

 

No seu estudo, é citada a informação de que uma cidade projetada para cadeirantes é uma cidade mais segura. Por que?

Chama-se teoria da sintaxe espacial. Quanto mais o espaço urbano é conectado, quanto mais ele facilita a circulação de veículo, de pessoas, mais ele é seguro. Quando se projetam e constroem espaços urbanos para cadeirantes, você faz com que a calçada seja mais plana, circulam mais pessoas por ali, assim caindo a criminalidade. Ruas em que árvores são podadas conforme a acessibilidade, para que o deficiente não colida contra uma árvore, aumentam o campo de visão e a vigilância natural. É uma medida que visa melhorar a vida do deficiente visual e melhora a segurança. Se você está chegando no apartamento, e vê que vem um assaltante aborda-lo, você tem uma escada e uma rampa para cadeirantes, para onde você corre? Para a rampa, você sabe naturalmente que você pode correr sem olhar para o chão. Subir uma escada é um movimento complexo que exige atenção, força e equilíbrio. Aquela rampa foi colocada para o cadeirante, no entanto salva a vida de uma pessoa que está fugindo de um assalto. Por isso, as normas, as medidas de acessibilidade, elas encaixam perfeitamente com a tecnologia de arquitetura contra o crime. Quanto mais acessível uma cidade, mais segura ela é.

 

Tratando-se de projetos de Urbanismo, como o Poder Público pode planejar uma cidade mais segura?

Ruas retas são mais seguras que ruas curvas, permitem vigilância natural mais prolongada. Iluminação de qualidade, a luz é um inibidor natural do comportamento delitivo. Escolha de espécies para arborização. A densidade de copa baixa, permitindo a passagem de luz. Árvores com copa muito densa, embaixo vira ponto de escuridão e local de assaltos. Por exemplo, em Apucarana, o prefeito plantou mudas de manga pela cidade para que população pobre tivesse alimento. A manga tem uma altíssima densidade de copa, é muito fechada. Essas árvores viraram pontos de emboscada. Os assaltantes se escondiam nas árvores a noite e pulavam em vítimas que passavam por baixo.

Fizemos parcerias com o Conselho Regional de Arquitetura e Urbanismo e demos palestras nos conselhos nos regionais em todo o estado. Esse livro que escrevemos foi com uma parceria com o CREA na época. Também firmamos parcerias com o Conselho Nacional de Engenharia e Arquitetura em vários estados do brasil. Ainda recebo contatos de arquitetos e engenheiros, porque eles viram que esta tecnologia é muito efetiva para a qualidade de vida e segurança. Eles podem, nos seus projetos, incluir aspectos que vão melhorar a construção e edificação das cidades fazendo com que sejam naturalmente mais seguras e não baseadas apenas na quantidade de viaturas e policiais. As cidades podem naturalmente gerar segurança reduzindo a sobrecarga de trabalho da polícia, que já é grande.

 

Há algum estudo mais recente em curso sobre arquitetura e segurança?

Segurança em condomínios residenciais e comerciais. Verificamos que o principal inimigo da segurança do condomínio é o próprio morador. Os condomínios são uma das melhoras formas de moradia na área urbana. Condomínios são vulneráveis apenas quando o próprio morador, por desleixo com a própria segurança, desatenção ou falta de cooperação com a segurança de todos, torna o local propício para a ação de criminosos.

 

Condomínios com grandes extensões muradas não atrapalham a segurança do cidadão que está na rua?

Quando muros laterais são totalmente fechados, existe esse risco. Cria-se esse corredor de isolamento de vários condomínios com muros altos. Quem não mora no condomínio passa a ser muito mais assaltado nas ruas, aí o condomínio passa a ser um problema. Não apenas para segurança de que transita pela frente, mas também para o morador.

 

Existem mais casos de estruturas que são projetadas para criarem lugares mais seguros, mas que acabam atrapalhando a segurança?

O problema são os grandes empreendimentos. Existe a legislação que se chama estudo de impacto de vizinhança. Todo grande empreendimento tem que ter uma análise de qual é o efeito que ele vai causar na vizinhança. É uma questão de lei federal. Esse estudo deveria ser feito toda vez que um grande empreendimento é feito. Exemplo, um shopping muda drasticamente a configuração de uma área urbana, pode gerar criminalidade, pode gerar uma série de problemas. Um condomínio, se for cercado de grandes muros, como ele geralmente é, gera um grande impacto de vizinhança e isso gera insegurança para as pessoas. Este grande empreendimento deveria ser precedido de uma análise de  nível de impacto. Quais são as medidas arquitetônicas que o próprio condomínio deve tomar para evitar que ele se torne uma ilha e gere um problema para o entorno. Para tudo isso existem tecnologias, cálculos que permitem inferir quais são as melhores soluções. Mas é preciso que arquitetos, engenheiros e a própria população usem essa tecnologia, que eu adaptei de outros países para a nossa realidade.

 

Prédios e Shoppings podem impactar no nível de violência?

Veja New York. No perímetro urbano, não há grandes shopping. Eles sabem que o impacto urbano que o shopping  gera é enorme. Você vai ter áreas com dificuldade de trânsito. Pra melhorar o trânsito, você tem que eliminar área de estacionamento. Se elimina essa área, você elimina a prosperidade do comércio.

O comércio é o coração da cidade, gente indo e vindo. Ele bombeia gente pelas artérias da cidade, que são as ruas. Isso é altamente saudável. Quando você coloca o shopping, o comércio do entorno morre. Ninguém mais vai comprar na lojinha. Vai no shopping. Isso gera desemprego. Em alguns lugares há desvalorização do imóvel, em alguns aumenta. Ruas de áreas prósperas viram áreas de degradação. Isso gera impactos, que vão mudar toda a configuração da região, o sistema viário muda, a geração de empregos, o valor médio do imóvel, tudo isso é alterado, pelo impacto que o shopping causa. Muito frequentemente, as áreas do entorno acabam sendo afetadas na questão de segurança.

São estudos que vão muito além de colocar mais ou menos policiais na rua. São estudos mais complexos que precisariam estar sendo centralizados por engenheiros e arquitetos, e isso infelizmente não tem acontecido.

 

Tratando de um tema bastante pautado recentemente, qual é a sua opinião sobre facilitar o porte de armas para os cidadãos? Isso deixaria as famílias mais seguras?

Mito. Eu mesmo, policial treinado, dependendo da forma como for abordado, não poderei fazer uso da arma de fogo. Se eu for abordado em uma situação onde há inocentes no campo de tiro, eu não posso puxar essa arma, pois vai começar um tiroteio, e vários inocentes vão ser feridos, então eu tenho que levar tudo isso em conta estrategicamente no momento dessa ocorrência. Então se há esse discurso de “vamos nos armar”, as pessoas não se sentirão mais seguras, o número de armas nas mãos dos assaltantes vai aumentar e a criminalidade e a violência dentro das casas vai aumentar. Esse é o grande perigo. Liberação de armas é um discurso politico, não técnico. Pessoas não estão tanto mais seguras quando tão mais armadas estão. Uma arma é um instrumento que deve ser usado de forma eficiente. Você tem que treinar muito para se manter destro no uso da arma. As pessoas não fazem isso, fazem o mínimo para obter o registro para ter a arma em casa. Ela perda habilidade, perde o treino e fica ineficiente. Frequentemente ela cansa e deixa arma em casa. Isso cai no ouvido de um bandido que vai vir buscar a arma. Ou é o filho do dono que leva para a escola e ficam sabendo, ou é discussão de fim de ano com pessoas embriagadas, e, havendo uma arma em casa, não termina em discussão, termina com uma morte. Como um estudioso em segurança sou categórico em dizer. Não é liberando armas que as pessoas vão ter mais segurança. Vão ter mais insegurança e levam essa insegurança para dentro de casa com essas armas.

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